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Lideranças indígenas falam sobre expectativas de uma educação que respeite e valorize a diversidade cultural


Pessoas sentadas em círculo em ginásio. Em algumas cadeiras estão indígenas.

As músicas indígenas tocadas e cantadas por adultos e crianças Mbyá Guarani “abriram caminhos” para dar início a uma roda de conversa que ficará na história do IFRS. No círculo estavam lideranças de quatro comunidades indígenas da Região Metropolitana de Porto Alegre, que compartilharam expectativas e contaram sobre aspectos de sua cultura para gestores do IFRS, servidores e estudantes. O tema central das falas foi a busca por uma educação que respeite as diferenças e leve em consideração o acesso e também a permanência na escola.

A atividade fez parte da programação do 7º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, que teve como tema central “Descolonizar o pensamento: ciência e saberes populares no bicentenário da independência do Brasil”. Ocorreu no ginásio do Campus Bento Gonçalves na tarde de sexta-feira, 4 de novembro de 2022, e foi mediada por Carlos Robério Garay Correa, do Campus Viamão.

Reitor do IFRS Júlio Xandro Heck segura microfone e profere fala aos participantes da roda de conversa.

O reitor do IFRS, Júlio Xandro Heck, deu as boas-vindas e explicou que o objetivo era, principalmente, ouvi-los. “Em nome das 25 mil pessoas que eu represento quero agradecer pela presença e disponibilidade. O interesse aqui é sincero em aprender com quem tem tanta história, tanta cultura, tantos saberes, e assim poder auxiliar a melhorar a vida de vocês”, frisou o reitor.

 

O acesso à educação

Os caciques explicaram que existe a educação tradicional Guarani e a escolar não indígena. A educação Guarani “não tem tempo nem hora para acontecer”. Essa é ensinada durante a vida inteira pelos pais e parentes e ocorre em casa, na aldeia, na mata. Segundo o cacique Eloir, da comunidade Pecua Nhudy, da Estiva (Viamão), na cultura Guarani não existe a separação de saúde, educação, terra… “Na nossa educação, ensinar para as crianças e jovens é muito amplo, começa no ventre das mães, e não quando tem 7 anos. Tem orientação das curandeiras, parteiras e pajés ao casal para que o filho nasça saudável”.

A educação escolar não indígena está cada vez mais presente nas aldeias. “A gente busca a formação acadêmica não para ter uma profissão e ganhar um bom salário. O objetivo principal é dialogar de igual para igual com a sociedade, saber se defender, dizer o que a gente quer”, apontou Eloir. Ele lembrou que hoje os indígenas não têm mais acesso a tantos recursos naturais para praticar o artesanato, a pesca e a caça, dificultando a sobrevivência. E isso os motivou a levar a escola para dentro da aldeia.

Cacique Cirilo segura microfone e profere fala aos participantes da roda de conversa.

Da comunidade Anhetenguá, da Lomba do Pinheiro (Porto Alegre), o cacique Cirilo (foto à direita) contou sobre a batalha do seu povo para ter acesso à educação. “A gente lutou para ter a escola. E se a gente não falar para o juruá (não indígena), ele também não sabe … Não sei me expressar bem em português, mas eu falo, alguém tem que escutar, e aí entra a parceria.”

Os caciques contaram sobre o sonho de levar um curso universitário para uma das aldeias, pois as diferenças culturais e a dificuldade de deslocamento são barreiras para eles se manterem nos Institutos Federais e nas universidades. “Os cursos funcionam praticamente só à noite. Muitos alunos (indígenas) entram e depois abandonam. Não é porque não querem ir, mas porque é muito difícil”, explica o cacique Valdecir, da comunidade Pindó Mirim, em Itapuã (Viamão).

O cacique Claudio, da terra indígena Jataity’, no Cantagalo (Viamão), falou da sua experiência pessoal, como aluno do Campus Viamão. “Estudo à noite, sei como é passar dificuldade para sair de casa e voltar. Na cultura Mbyá Guarani, quando chega a noite é para a gente descansar, ficar em roda de conversa com nossa família.” Claudio tentou morar um tempo na cidade, mas não se adaptou. “Quando acordava pela manhã, não via os meus pais e meus parentes, só uma casa atrás da outra, todas dos brancos.”

Para conseguir superar essas dificuldades, eles querem ser protagonistas no Instituto Federal. “A gente quer fazer parte do processo de ensino. Queremos entrar no Instituto e continuar, não desistir, devido a toda a burocracia que tem no estudar. Imagina como um indígena se sente no meio de uma sala com só não indígenas. Pensa se fosse o inverso?”, observou Eloir.

 

Política de ingresso indígena no IFRS

No início da roda de conversa, o pró-reitor de ensino do IFRS, Lucas Coradini, salientou avanços institucionais pelo acesso ao ensino. Com a Política de Ingresso Especial para Estudantes Indígenas, em 2019, cada curso passou a reservar duas vagas suplementares para candidatos indígenas. “Há cerca de quatro anos, eram oito indígenas no corpo discente; hoje são mais de 80, o que mostra que eles têm se sentido à vontade de fazer parte dessa casa”. Falou também sobre o Plano Educacional Individualizado, o qual tenta tornar o currículo mais inclusivo.

Ao final da atividade, Lucas retomou a fala e destacou que o IFRS aprendeu com as lideranças indígenas que garantir o acesso ao ensino não é tudo, há um desafio grande pela permanência. “As falas aqui apontaram para uma necessidade de aproximação, para que a gente se movimente mais em direção a vocês, com a presença nas aldeias, mas com um proposta pedagógica que dê conta da concepção de mundo e da prática pedagógica Guarani, Kaingáng.” Para o pró-reitor,  a atividade foi histórica para o IFRS, por abrir um canal de comunicação com as lideranças indígenas.

 

 

Reconhecimento e inserção no espaço escolar

Advogada Susana Kaingáng proferido fala em roda de conversa.

A cultura Kaingáng também foi contemplada nas reflexões. No sábado, 5 de novembro, ocorreu a roda de conversa “Direitos indígenas, reconhecimento e inserção no espaço escolar”, com a advogada Susana Kaingáng, doutoranda em Educação. Ela também destacou a importância de se pensar na permanência dos indígenas nas escolas, institutos e universidades, bem como a valorização das diferentes culturas.

“A gente não espera imposição, sobreposição de valores. Precisamos dialogar. No diálogo não temos uma cultura que seja melhor que a outra, mas precisamos aprender a valorizar a cultura do outro.” Susana salientou que o Brasil tem a maior riqueza e diversidade sociocultural e linguística indígena.

Participantes da roda de conversa Direitos indígenas, reconhecimento e inserção no espaço escolar em foto coletiva.

“O Brasil é reconhecido no cenário internacional por essa diversidade, mas por outro lado a sociedade nacional não sabe valorizar. O material didático que temos não mostra e não valoriza isso”, apontou, dizendo que os indígenas lutam por um processo de autoafirmação e troca nas escolas e universidades.

 

 

 

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