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Painel da I Mostra Metropolitana abordou os desafios contemporâneos e as relações interpessoais


Dia 9 de junho, das 9h às 11h, ocorreu o painel “Os desafios contemporâneos e as relações interpessoais” (assista à gravação), dentro da programação da I Mostra Metropolitana do IFRS. A atividade contou com a participação do físico Lama Padma Samten (Centro de Estudos Budistas Bodisatva), do filósofo Pedrinho Guareschi (UFRGS) e da psicóloga Katiúscia Nunes Gomes (Sociedade de Psicologia do RS/POA). A mediação foi realizada pelo diretor-geral do Campus Restinga, professor Rudinei Müller. E teve a tradução em Libras, das intérpretes Juliana Neves Tavares e Natasha Figueiró da Silva.

Exibição da peça Janelas Abertas

Antes das falas, foi reproduzida a peça teatral Janelas da liberdade, que dialoga com o tema do painel ao tratar sobre sentimentos como ansiedade e solidão e trazer as reflexões provocadas pela pandemia. A peça foi produzida pelo Campus Restinga, com autoria de: Luis Gustavo Dias, professora Helena Lancellotti, Jean Bond, Gabriel Goulart e Isla da Silva.

Guareschi abriu o painel falando sobre os conceitos de Onlife e Infosfera, criados pelo italiano Luciano Floridi, que leciona Filosofia da Comunicação em Oxford. Disse que a noção do que se entende por distância, espaço e tempo, mudaram completamente dentro do que se pode definir como Bios Midiático: onlife na nova infosfera. Dentro desse conceito, novos agrupamentos são constituídos e a experiência da interação é reformulada.

Falou que a inteligência artificial seria uma espécie de “guarda-chuva”, para explicar o que as novas tecnologias estão tentando fazer conosco. Entendendo a Inteligência artificial como um conjunto de métodos, técnicas e algoritmos para formar um software inteligente, que faz uso do Big Data.

Após, discorreu sobre a Algoritmização da vida humana. Na qual as tecnologias algorítmicas não só se imbricam no modo de ser dos sujeitos que as utilizam, mas deram um passo a mais, capturando de forma intencional e estratégica os comportamentos dos sujeitos. Essa captura se realiza através de complexos programas matemáticos que permitem apreender de forma instantânea os comportamentos de milhões de indivíduos nos seus dispositivos digitais. Com essa informação é possível replicar a produção de novas estratégias e novos algoritmos que retornam sobre os indivíduos para provocar um maior impacto sobre seus comportamentos. “São trilhões de informações que chegam até nós, e à medida que entramos nas grandes plataformas, como a Google, Facebook, Instagram, elas colhem sobre nós todas as informações possíveis, e através da inteligência artificial vão fazendo uma espécie de conhecimento do nosso perfil psicológico íntimo”, afirmou.

E continuou: “As grandes plataformas têm os conhecimentos de cada um em particular, mas principalmente em grupos”. E lançou uma pergunta: os conhecimentos podem ser usados sem a permissão das pessoas? Disse que as técnicas são tão inteligentes que chegam a fazer planos do que a pessoa supostamente gostaria de fazer.

Para o filósofo, nós somos o resultado das milhões de relações que a gente estabelece com os outros, com o mundo. “E ultimamente tem uma nova personagem dentro de casa: as mídias sociais. É impressionante o tempo que gastamos. Mas o que elas fazem com a gente? Elas inteligentemente nos levam a não pensar, nos levam somente a acreditar, reproduzir, a gostar”.

Definiu a subjetividade digital como um acontecimento tecnológico e epistemológico. Algoritmos que não apenas executam comandos mas tendem a influenciar nossas decisões a agir de tal modo e não de outro, com interesses não manifestos. Para ele, existe uma espécie de Digitalização da existência, que nos faz adotar comportamentos a partir do desejo, sugerindo até certo ponto aquilo que supostamente estaríamos necessitando.

Explicou que a subjetividade é entendida como a soma total das relações que a pessoa estabelece com todo o universo. O conceito de relação nos mostra como somos ao mesmo tempo singulares e plurais. Nós somos os milhões de relações que foram estabelecidas conosco. Mas também somos singulares, pois podemos recortar pedaços diferentes de cada relação, e dessa forma garantir a nossa subjetividade.

E encerrou afirmando que a essência do processo pedagógico para Paulo Freire não é ficar dando respostas. “Nós temos bilhões de respostas. Mas é a pergunta que liberta, porque leva a pensar. E a medida que eu vou achando respostas, vou me libertando. É impossível ser livre se eu não tenho consciência. Então, esse é o tripé da dignidade humana: consciência, liberdade e responsabilidade”, concluiu.

 

Na sequência, Katiúscia falou que, tanto os desafios contemporâneos, quanto a própria pandemia têm impactado muito nas relações interpessoais. “Por isso, quero trazer algumas questões sobre o impacto que as relações têm nas nossas vidas. E também o que a gente pode fazer para passar por cima desses desafios contemporâneos”.

A psicóloga apresentou dados de um TEDx, intitulado Do que é feito uma vida boa?, tradução do original What makes a good life?, com Robert Waldinger. E relatou uma pesquisa de Harvard sobre o desenvolvimento adulto, que buscou identificar fatores que poderiam levar a uma melhor saúde física e mental, quando as pessoas atingissem idades avançadas. Esse estudo começou em 1938 e levou 75 anos. Ela enfatizou a data de início, pois ocorreu durante o período da segunda guerra mundial. “Um período bastante estressante e com demandas econômicas, sociais e individuais significativas. Os pesquisadores entrevistaram e monitoraram 724 pessoas. Algumas eram estudantes de Harvard e outras eram moradoras de cidades vizinhas a Boston. Essas entrevistas e monitoramentos eram feitos a partir de questionários, identificando fatores de bem-estar e saúde. As famílias eram acompanhadas e eram feitos exames clínicos, para se obter o maior número de dados possíveis sobre a vida desses sujeitos”, contou.

E uma das perguntas que foram feitas neste estudo, foi: Se você fosse investir no seu melhor “eu” futuro, no que você colocaria o seu tempo e sua energia? “E entre as respostas dos sujeitos, os três fatores que mais apareceram que os levariam a ter uma melhor qualidade de vida no futuro seriam: dinheiro, status e emprego. Essas eram as ideias que esses sujeitos tinham no início da pesquisa. Como eles foram acompanhados ao longo do tempo, puderam ver quais foram os desfechos de vida desses sujeitos. Muitos deles acabaram desenvolvendo alguns transtornos psiquiátricos, outros acabaram tendo uma “vida de sucesso”, outros acabaram tendo dificuldades financeiras. A pesquisa mostra diversos desfechos e conclui que os sujeitos que criaram laços fortes com outros seres humanos durante a vida, viveram mais e melhor. Além de garantir uma maior longevidade, puderam  garantir uma melhor qualidade de vida”, informou.

De acordo com Katiúscia, eles perceberam que as pessoas mais satisfeitas em seus relacionamentos, as que eram mais conectadas umas às outras, tinham o corpo e o cérebro mais saudáveis por mais tempo. As pessoas que estavam mais satisfeitas nos seus relacionamentos aos 50 anos, eram mais saudáveis aos 80 anos. As pessoas que mantiveram bons relacionamentos, tiveram suas memórias preservadas por mais tempo. Então, um relacionamento tem um fator bastante importante tanto na qualidade de vida física quanto na qualidade de vida emocional e psicológica.

Ela considera que atualmente vivemos duas pandemias: a da Covid-19 e a do isolamento social. “Cada um está vivendo esse cenário de uma forma diferente. Têm pessoas que estão sozinhas em casa, outras estão com familiares, com amigos. Temos diversos contextos e todos falam sobre relações. Seja a ausência ou algum tipo de relação interpessoal. Percebemos neste período um aumento de conflitos e estresse dentro de casa. E com as pessoas que estão sozinhas, o aumento do sentimento de solidão, de precisar do contato físico”, enfatizou.

Vídeo mostrou feirantes de Viamão, com os contatos dos produtores orgânicos

Acredita que esse isolamento social que foi forçado pela pandemia, já estava sendo vivido de outra forma. “Muitas vezes estávamos em um restaurante ou numa festa, e ao invés de estarmos compartilhando e vivenciando o momento, nós estávamos dividindo nossa atenção com alguma rede social. Então, esse isolamento já existia de uma certa forma, através da tecnologia”. Ela defende que é importante pensar em termos qualidade nas nossas relações, para garantir melhor saúde física e mental.

“Às vezes nos sentimos solitários dentro de uma relação. Às vezes estamos com um grupo de amigos e nos sentimos sozinhos. E às vezes estando totalmente sozinhos em casa nos sentimos bem, porque sabemos que temos conexões, uma rede de apoio com quem contar. Ou seja, muito mais importante do que estar com alguém, é a qualidade das nossas relações. E pensar nisso ajuda a enfrentar melhor o distanciamento nesse período de pandemia”, comentou.

Ao finalizar, afirma que uma vida boa se constrói com boas relações. “Quando a gente fala em boas relações, a gente fala investir em relacionamentos que a gente esteja presente, que a gente esteja com atenção total ao outro”.

Lama começou falando sobre um ensinamento do Buda. “Metabavana (meditação do amor universal) é como se fosse um processo de cura que o Buda usava. Ele recomenda que a pessoa olhe em volta em todas as direções e diga: que os seres sejam felizes, que superem o sofrimento, ultrapassem as causas verdadeiras do sofrimento. Isso parece simples, mas cura o coração, as emoções, as energias e o corpo”, explicou.

O processo budista, de acordo com Lama, vai sempre desenvolvendo uma observação de si mesmo, é um processo de introspecção. “Uma coisa que logo se percebe é o funcionamento da energia sobre o próprio corpo e sobre as relações nas várias direções. A gente pode ter uma lista do que deveria ou não comer, por exemplo. Porém isso não quer dizer que a gente consiga obedecê-la. É muito curioso, o problema academicamente está resolvido. Mas por que a pessoa não segue aquilo? A pessoa concorda com aquilo. Mas quando vai comer, age conforme o seu impulso. O impulso é esse aspecto que a energia da pessoa é comandada. Mas não comanda somente os braços, ele comanda a batida do coração, comanda as glândulas, comanda os conjuntos de músculos, os órgãos também”.

Para o físico, é importante destacar que nessa análise é possível perceber como a forma pela qual os nossos olhos reconhecem a realidade ao redor, afeta diretamente a energia interna, a saúde do corpo. “Nós não vivemos apenas em um mundo de objetos ou seres separados, nós vivemos em um mundo onde os seres “tocam” os nossos nervos, os nossos órgãos. Definem o que vemos de futuro. Existe uma inseparatividade com todos os seres”.

De acordo com ele, quando olhamos para o céu ou para uma paisagem, dependendo de como o nosso olhar é produzido, isso se reflete diretamente dentro do nosso corpo. “Por isso a importância da Metabavana, que é curativa”, defende.

E segue: “Por isso, a resposta à pergunta da pesquisa apresentada por Katiúscia, é que se eu fosse investir no meu melhor “eu” futuro, não colocaria o meu tempo e energia em dinheiro. Investiria justamente nas relações. Entretanto, as relações também são super complexas. Não se tratam apenas de relações interpessoais, e sim, das relações com o ambiente”.

Uma das coisas mais devastadoras da atualidade, conforme Lama, é a clareza dos jovens que talvez eles não tenham futuro. Talvez eles estejam vivendo em um lugar que está em extinção, está condenado. Isso afeta diretamente a energia, o impulso e a saúde mental. “No budismo nós estudamos isso que chamamos inicialmente de “bolha”. Que é o conjunto dos referenciais que utilizamos para nos movimentarmos. Um exemplo claro de “bolha” é um jogo de futebol. As pessoas estão dentro de um campo, elas vão jogar. Então é como se fosse um jogo de tabuleiro. Se estabelece um cenário, ali tem referências, a pessoa surge com a própria identidade e joga ali dentro. Fica claro o que ela deve fazer”.

Segundo Lama, o cenário onde vivemos pode ser curativo ou adoecedor. A “bolha” é um lugar profundo e importante. “Estudamos com cuidado, o que no budismo se entende como os seis principais mundos. São estruturas psicológicas onde as pessoas vivem. Na primeira, a pessoa tem muita habilidade em produzir felicidades e controle sobre as coisas. Na segunda, a pessoa só tem raivas e rancores e vontade de atingir os outros. Na terceira, faz esforços, têm vitórias e derrotas. Na quarta, a pessoa tem um desânimo, só anda por reação, sem uma energia propositiva. Na quinta, tem essencialmente carências. E na sexta, tem agressões e está liberada para passar por cima dos outros. Todas são bolhas de realidade, funcionam por um tempo e depois migramos para outra, sem uma ordem estabelecida. Mas a gente está sempre vivendo em um desses ambientes”.

No final de sua apresentação, Lama falou que o nosso corpo muda dentro de cada um desses lugares: a forma, as emoções e a energia. As doenças certamente poderiam surgir em maior quantidade em alguns desses ambientes. “Quando pensamos em melhorar tudo, é necessário entender esses ambientes em que vivemos e criar melhores ambientes. Esse é um ponto crucial: criar ambientes que tenham mais saúde”, afirmou.

Exibição do vídeo sobre os Feirantes de Viamão
No encerramento, foi transmitido um vídeo curto sobre os Feirantes de Viamão, com os contatos dos produtores orgânicos.

 

Saiba mais sobre Pedrinho Arcides Guareschi

Possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição (1969), graduação em Teologia pelo Instituto Redentorista de Estudos Superiores de SP (1964), Pós-graduação em Sociologia pela PUCRS (1965), graduação em Letras pela Universidade de Passo Fundo (1968), mestrado em Psicologia Social – Marquette University Milwaudee (1973), doutorado em Psicologia Social – University Of Wisconsin At Madison (1980). Pós-doutorado no departamento de Ciências Sociais na Universidade de Wisconsin (1991). Pós-doutorado no departamento de Ciências Sociais na Universidade de Cambridge (2002). Pós-doutorado na Università degli Studi La Sapienza, Roma, no departamento de Psicologia (2014/15). De 1969 a 2009 foi professor no Programa de Pós Graduação em Psicologia na PUCRS. Atualmente é professor convidado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Conferencista Internacional. É autor e co-autor de numerosas publicações, atuando principalmente no campo da Psicologia social. Guareschi trabalha em especial com os temas mídia, ideologia, representações sociais, ética, comunicação e educação.

Saiba mais sobre Katiúscia Nunes Gomes

Psicóloga. Mestre em Psiquiatria e Ciências do Comportamento. Formação em Terapia dos Esquemas pela Wainer; Especialista em Neuropsicologia; Formação em Reabilitação Neuropsicológica; Especialista em Psicoterapia Congnitivo-Comportamental. Coordenadora do Comitê de Neuropsicologia da SPRGS.

Saiba mais sobre Lama Padma Samten

Físico, com bacharelado e mestrado em Física Quântica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi professor de 1969 a 1994. Neste período, dedicou-se especialmente ao exame da Física Quântica, teoria na qual encontrou afinidade com o pensamento budista. Em 1986 fundou o Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), que hoje, além da sede em Viamão, conta com vários  centros de prática e retiros em todo o país. Em 1993, foi aceito como discípulo por Chagdud Tulku Rinpoche e em 1996 foi ordenado lama. Desde então, Padma Samten viaja pelo Brasil para oferecer palestras, retiros, estudos e práticas que integram os ensinamentos budistas e o treinamento da mente à vida cotidiana e às diversas áreas do saber, como educação, psicologia, economia, administração, ecologia e saúde.

 

Mais sobre a I Mostra Metropolitana do IFRS

A I Mostra Metropolitana do IFRS congrega a 5ª Mostra de Pesquisa, Ensino e Extensão do Campus Viamão, a 5ª Mostra de Ensino, Pesquisa e Extensão (MEPEx) do Campus Alvorada, o 4º Salão de Ensino, Pesquisa e Extensão (ENPEX) do Campus Canoas, a 21ª Mostra de Pesquisa, Ensino e Extensão (MostraPOA) do Campus Porto Alegre e a 10ª Mostra Científica do Campus Restinga, e ocorre de 7 a 10 de junho de 2021, de forma virtual.

O tema do evento é “Metrópoles em tempos de pandemia: desafios para a ciência e para a educação”. O objetivo é promover um espaço virtual de troca de experiências, exposição, discussão de projetos e ações de ensino, pesquisa, extensão, bem como performances artísticas e culturais.

 

Saiba tudo sobre a Mostra Metropolitana
no Espaço Especial

 

Créditos: Comunicação Campus Viamão

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