Eventos
Primeiro painel da Mostra Metropolitana abordou sobre os desafios da Educação e da Ciência em tempos de pandemia
Seguindo a programação da I Mostra Metropolitana do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), na tarde de terça-feira, 08 de junho, aconteceu painel sobre o Tema: Desafios da Educação e da Ciência, em tempos de pandemia, com a participação do Prof. Dr. Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e da Dra. Mellanie Fontes Dutra, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e transmissão ao vivo via canal do YouTube (assista ao vídeo gravado). A atividade teve início às 16h, sob mediação do professor Marcos Daniel Aguiar, do IFRS – Campus Canoas, que abriu o evento agradecendo aos organizadores e demais envolvidos na realização da Mostra, bem como ao público que assistia à transmissão, e fez a apresentação dos painelistas.
A primeira fala foi da Dra. Mellanie Fontes Dutra, que destacou em sua apresentação os desafios da divulgação científica no Brasil e a falta de investimento em ciências no país. Biomédica, pós-doutoranda em Ciências Biológicas, doutora e mestre em neurociências pela UFRGS, Mellanie é professora assistente na Unisinos e atua na Rede Análise COVID-19, na equipe Halo da ONU e nos grupos InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina. Atualmente, também é aluna do curso Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas no Campus Canoas do IFRS.
Mellanie iniciou falando que, quando se faz ciência e divulgação científica, deve-se considerar quem é o público de interesse e por que ele foi escolhido; e o que queremos informar para esse público, assim como a linguagem utilizada. Segundo ela, foram esses pontos que nortearam a criação, em fevereiro de 2020, da Rede Análise Covid-19 – rede multidisciplinar com o objetivo de coletar, analisar, modelar e divulgar dados relativos à COVID-19, através de seu site na internet e suas páginas nas redes sociais Twitter, Instagram e Facebook. Essa rede agrega não só pesquisadores de diversos locais do Brasil, de forma voluntária, como também contribui para diferentes públicos na tentativa de ampliar a democratização da ciência e de uma aproximação da sociedade com a ciência.
“Recentemente recebemos apoio do Instituto Serra Pilheira, que é um, se não o maior instituto aqui do país, que faz financiamento para divulgação científica, mas também para a ciência, não vinculados ao governo. Isso tem sido algo muito gratificante, poder ter esse apoio em algo que vem sendo tão desapoiado ao longo do tempo”, comentou Mellanie. Ela observa que as bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, há anos não são reajustadas, e lamentou a interrupção de investimentos nos projetos de pesquisa. “A gente vê cortes dentro do financiamento da ciência de uns anos para cá, e não é restrito a este governo atual, porém foi neste governo que os cortes foram significativamente impactantes, especialmente num contexto em que estamos vivendo uma pandemia e precisamos do apoio da ciência para responder contra essa pandemia, para criar soluções assertivas para sair dessa pandemia com o menor número de óbitos possível”, comentou.
De acordo com ela, é desafiador fazer ciência num país em que não existe a cultura de investir em ciência. “A gente vem criando e se aproximando com iniciativas de divulgação científica, especialmente agora na pandemia em que as pessoas estão mais abertas e mais interessadas no conteúdo científico, porque ele é o que acaba explicando a situação que nós estamos vivendo, dando as melhores alternativas para controlar e contornar ela.” Mellanie considera que este é um momento muito rico de se fazer essa aproximação, não só da sociedade com a ciência, mas também com o cientista. “Nós podemos construir um vínculo com a sociedade, em que a própria sociedade, entendendo o papel e a relevância da ciência, consegue defendê-la também, e quando ela mais precisa, como o momento atual”, enfatizou.
Outra questão apontada pela pesquisadora como uma das consequências da dificuldade se obter de bolsas, é a imensa “fuga de cérebros”, que são pesquisadores indo para o exterior, para diferentes partes do mundo, pessoas que gostariam de estar aqui, em seu país, contribuindo, mas não veem oportunidades e acabam indo para outros países seguir sua carreira. Ela lembra que esse problema da falta de incentivo à pesquisa também ocorre para quem está na graduação, pois há dificuldades de se conseguir bolsas de iniciação científica, que são relevantes para a inserção do jovem pesquisador na pós-graduação.
Mas, segundo Mellanie, há tentativas de superar essas barreiras. Mesmo não tendo reconhecimento e com a falta de incentivo, a saída encontrada está nestas iniciativas de divulgação científica que,em sua maioria, são voluntárias, de acordo com Mellanie. “São pessoas que estão dispondo não só de seus tempos livres, das suas rotinas, mas também um esforço imenso para estar ali e poder dar suporte a uma população que está imersa em narrativas desinformativas e que muitas vezes orientam elas para caminhos muito perigosos. Não é alarmista quando a gente fala que desinformação mata; e que nós precisamos combatê-la avidamente, em paralelo a fomentar uma divulgação científica assertiva, clara, que encontre cada pessoa da sociedade.”
Ela também mencionou os desafios existentes para alcançar aquelas pessoas que residem em comunidades, e que às vezes não tem uma presença nas redes sociais, e como chegar nessas pessoas se a divulgação é nas redes sociais. “A gente vem construindo diversas estratégias, tentando explorar pontes com iniciativas que já estão fazendo um trabalho voltado para essas comunidades. Essas pontes que a gente faz com essas iniciativas nos permitem extrapolar um pouco essa questão da rede social e entregar uma informação que pode ser muito assertiva para essas pessoas que não vão estar tão presentes nas redes sociais nesse momento”, explicou.
A cientista destacou a alta capacidade dos pesquisadores brasileiros, e a falta de incentivo. “Nós temos capacidade, temos o que é mais precioso, que é o recurso humano capaz e extremamente qualificado para desenvolver uma excelência de qualidade aqui no país. Ouso dizer que nós poderíamos ter sido um dos primeiros países a desenvolver uma vacina contra a Covid-19, porque instituições científicas nós temos, conhecimento dentro da produção, exportação de insumos de vacinas, profissionais extremamente qualificados para isso, especialistas em vacinas que estão abraçando essas causas. Essa é a grande pergunta: por que não chegamos lá, se o que parece ser mais difícil nós já temos reunidos? Investimento em ciência. Não se investiu em ciência nos momentos chave. Investir em ciência é algo que se precisa fazer por um longo prazo.” Segundo ela, a força motriz da ciência brasileira é a pós-graduação, junto com a iniciação científica, mas que falta essa popularização da ciência, em que se entenda não só a sua relevância, mas defenda-se que ela esteja presente em todos os setores da sociedade.
Ela lembrou ainda o episódio em que quase foi extinto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, que também dá apoio a pequenas e médias empresas que vão construir tecnologias e colaborar com o desenvolvimento tecnológico no país. Na ocasião, houve toda uma mobilização nas redes sociais e junto aos políticos que iriam participar da votação para extinção ou não desse fundo, pedindo que ele não fosse extinto em meio a um momento de crise em que é preciso apoio para criar soluções para sair dela.
Para Mellanie, o cientista brasileiro está sempre lutando para que as pessoas entendam algo que está presente em diversos setores da sociedade e faz parte dela todos os dias e todos o momentos. “Não há nada hoje que você esteja interagindo que não tenha um grande conhecimento científico reunido: o seu celular, seu sabonete, seu xampu…”, exemplificou, reforçando que precisamos entender que a ciência trabalha para a sociedade.
A cientista defendeu que cada vez mais precisamos nos policiar para não sermos influenciados por narrativas de desinformação; termos cuidado de não propagá-las; e nas redes sociais, ela recomenda não compartilhar postagem de notícia falsa, mesmo que seja com intenção de alerta, para não gerar engajamento na publicação; apenas tirar um “print” dela se quiser repassar. Segundo ela, é preciso entender que todos devemos ter papel ativo nesse enfrentamento da pandemia, e nas diferentes esferas da sociedade, pois antes mesmo da crise atual, já haviam diversos problemas causados pela falta de cidadania, de empatia e de responsabilidade social.
“Muitos falam sobre os direitos que nós temos, e nós temos que defender nossos direitos, ponto. Isso é algo inegociável. Mas, são poucas as pessoas que começam a pensar sobre os deveres que nós temos dentro da sociedade. Quando eu decido sair sem máscara e aglomerar, eu não estou só trazendo um risco pra mim. Estou trazendo um risco para todas as pessoas que convivem diretamente comigo e para aquelas eu vou estar expondo naquele momento. Então eu não estou praticando minha cidadania, estou sendo uma pessoa, no mínimo, irresponsável.”, ponderou a biomédica.
Nesse sentido, Mellanie propôs um reflexão sobre direitos e deveres: “Que a gente tenha essa reflexão sobre nossos direitos, que tem que ser defendidos, mas também nossos deveres, dentro da sociedade, para com o próximo. E também esse conjunto de ações que não só beneficiam a sociedade, como também nós mesmos. Enquanto não tivermos a sociedade segura, com a transmissão controlada, nós não vamos estar protegidos. Precisamos entender: só vamos sair dessa situação em sociedade”, enfatizou Mellanie. E questionou:”A pandemia é um problema de uma sociedade, e a solução para sair dela requer ações coordenadas da sociedade para tal. O mundo inteiro está fazendo isso; por que é que meia dúzia de pessoas aqui no país estariam corretas indo na contramão do que o mundo já entendeu que precisa ser feito?”
Finalizando sua fala, Mellanie destacou os esforços que as instituições de educação e científicas vêm fazendo, especialmente no momento de crises que estamos vivendo: na ciência, na educação, crise sanitária como a Covid-19; e em paralelo, consequências que levam a crises econômicas. “Celebrar essa gestão que não só IFRS vem fazendo, mas vários outros institutos e universidades federais, particulares, porque realmente é muito desafiador a gente seguir com excelência que é reconhecida nos rankings, nas avaliações que nós temos, num momento em que tudo parece estar trabalhando para que a gente não consiga atingir esses objetivos. Isso é fruto de uma colaboração, de um esforço imenso dessa comunidade de gestores, técnicos administrativos, professores, pesquisadores, cientistas, dos próprios alunos que têm um papel chave dentro desse ecossistema que compõe as nossas instituições de educação e de ciência”, ressaltou.
Prestes a encerrar, ela deixou um recado: “Que a gente resista mais uma vez, porque nós precisamos defender as nossas instituições de ciência, as nossas instituições de educação. Porque finalmente a gente está vendo que a população está de fato acordando e acolhendo a ciência, que a importância da ciência nesse momento está sendo percebida, muito mais que anteriormente. Vamos cada vez mais resistir, e mostrar que nós estamos a serviço da sociedade, que nós estamos construindo recursos para garantir o bem-estar dessa sociedade e seu progresso. Que a gente nunca se cale nem se resigne, que o medo da consequência não seja maior do que as causas que estão nos levando para essa luta; entender que tudo isso é muito maior que nós, e vai direcionar o futuro de todos aqueles que vão vir ainda. Faço esse apelo e agradeço esse espaço de poder trocar ideia com vocês”, finalizou.
Ao término da fala de Mellanie, foi aberto espaço para ela responder algumas perguntas colocadas no chat do canal do YouTube por quem acompanhava a transmissão do painel.
Na sequência, a vez de fala foi do professor Dr. Pedro Hallal, que dividiu sua exposição em três temas: a pandemia como o maior evento da nossa geração; a ciência e seus mecanismos de validação de estudos; e a atuação do SUS, da ciência e das universidades e institutos federais na pandemia. Graduado em Educação Física, mestre e doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas, Hallal realizou estágio pós-doutoral no Instituto de Saúde da Criança da Universidade de Londres e atuou como Reitor da UFPel entre 2017 e 2020. É docente associado da UFPel no curso de graduação em Educação Física e nos programas de pós-graduação em Educação Física e Epidemiologia. Também coordena o EPICOVID-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.
No início da conversa, Hallal definiu o momento atual da pandemia como um momento desagradável, que machuca, e que estamos vivendo o grande evento da nossa geração; considerar isso é importante para entender suas percepções sobre o assunto e como podemos reverter a situação. Segundo o professor, quando os livros mostrarem essa época, vai se falar muito sobre a pandemia. Ele disse que a pandemia é absolutamente marcante nas nossas vidas e, por isso, não podemos ter uma visão reducionista dela, tratar somente como se fosse número de casos, de hospitalizações; devemos tratá-la olhando de forma macro. Citou alguns exemplos, como o das escolas que vão ter que lidar com vários alunos que perderam entes queridos, e dar suporte, inclusive psicológico, a essas pessoas. E colocou que as pessoas irão lembrar da covid-19 por muito tempo, pois haverá muitos profissionais de saúde mental que vão lidar com consequências de longo prazo da doença. Para termos noção do tamanho do evento que estamos vivenciando, ele ainda mencionou como exemplo a geração de crianças que, em plena fase de alfabetização, passou mais de um ano longe da escola, e o impacto que isso causará sobre o aprendizado e socialização, tentando dar um pouco da dimensão do que essa pandemia vai nos marcar.
No segundo ponto trazido como foco da conversa, Hallal comentou que as pessoas que acompanham o seu trabalho querem a opinião dele como cientista, pesquisador, saber como funciona a ciência em tempos de redes sociais. O professor lembrou, enfatizando, que a ciência começa com perguntas, e não com respostas, e que esse é o primeiro principio fundamental da ciência: ela é baseada em perguntas. “Pra nós, cientistas, às vezes as perguntas são tão ou mais importantes que as respostas. Eu vejo uma disseminação acelerada e intensa de ‘verdades científicas’ que, na verdade, são pesquisas feitas ao contrário; as pessoas já decidiram a resposta, e o que elas fazem é procurar estudo que confirme o que elas já decidiram que é verdade.” Ele deu como exemplo a questão do tabagismo: no início de pesquisas dizia-se que o cigarro fazia até bem, e depois, ao longo dos anos, comprovou-se por vários estudos os seus malefícios à saúde e a relação entre tabagismo e câncer de pulmão.
Ainda sobre essa questão, ele frisou a desonestidade intelectual e o equívoco sob o ponto de vista científico que há quando existem milhares de estudos que comprovam essa relação, mas alguém pega somente uma pequena parte desse universo todo de pesquisas e que tenham resultados contrários, e usa como ‘prova’ de que não há essa relação; segundo ele, isso pode, dependendo do caso, configurar-se até em crime. Conforme Hallal, hoje, na pandemia, tem se tornado corriqueira essa prática de pessoas se apegarem a apenas um ou dois estudos existentes que refutam outros tantos no mesmo assunto, e tomá-los por verdade. Ressaltou que é preciso combater isso, e que a ciência tem seus mecanismos consolidados ao longo de décadas, como a revisão por pares, a qualidade dos periódicos científicos, a quantidade de artigos publicados pelo pesquisador especialista, e isso tudo faz a diferença para validar ou não um estudo, mas não está bem explicado para a população brasileira. Ele vê nesse momento no Brasil uma necessidade de educação científica, de explicar para as pessoas esses conceitos, por mais que tenham falhas individualmente. Hallal também relembrou, em sua fala, os erros cometidos no enfrentamento da pandemia no Brasil, que poderiam ter evitado muitas das mortes causadas no país pela covid-19.
O terceiro e último tema comentado pelo professor da UFPel fez menção aos Institutos Federais, às universidades e à ciência. Segundo Hallal, não podemos deixar de prestar homenagem aos verdadeiros heróis dessa pandemia: entre eles, destacou a ciência, as universidades e institutos, e o Sistema Único de Saúde (SUS). “Essas três instituições vêm sofrendo nos últimos anos de uma combinação de duas coisas, ataque e subfinanciamento”, disse ele. O SUS, apesar de subvalorizado, está “de pé”, dando atenção à saúde da população brasileira, e preveniu que a tragédia fosse ainda maior. Da mesma forma, a ciência conseguiu gerar vacinas em um ano contra a covid-19, conduz pesquisas epidemiológicas como a EPICOVID, produz e testa medicamentos, e também vem sendo desvalorizada e subfinanciada. “Há uma estimativa de que 90% da produção científica brasileira vem das universidades e institutos federais. Mesmo com todos esses ataques, quando a população mais precisou de nós, a ciência estava aqui, de pé”, salientou.
No final da sua exposição, o pesquisador relembrou ainda as ações de enfrentamento à pandemia que as universidades e IFs realizaram; citou, como exemplos, o IFSul, a UFpel e a UCPel que, quando faltou álcool gel em Pelotas, produziram para o SUS, além de mais de 100 mil máscaras para doação; o centro de engenharia da UFPel, que fez protótipo de pias com acionamento automático de água; o curso de veterinária que promoveu estudo com equinos sobre tratamento de Covid, e o grupo da epidemiologia, liderado por ele, que conduz o maior estudo do país e um dos maiores do mundo sobre a Covid-19, o EPICOVID. “As universidades e os institutos, quando a população mais precisou, nós estivemos aqui, e estamos aqui, para responder para a população. Nós estamos aqui, por meio da ciência, por meio da educação, para proteger a população brasileira, tentar salvar vidas”, completou Hallal.
Antes de se despedir, Pedro Hallal ainda respondeu a algumas perguntas e comentários do público que acompanhava a transmissão pelo YouTube.
O painel encerrou com a exibição de vídeo de performance artística com a apresentação do Coro Juvenil do Projeto Prelúdio, programa de extensão do Campus Porto Alegre, interpretando a canção Aonde quer que eu vá (Herbert Vianna), seguida de uma peça audiovisual de divulgação de alimentos orgânicos do programa de extensão EcoViamão, do Campus Viamão.
Creditos: Comunicação Campus Porto Alegre