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Mostra Metropolitana do IFRS discute o empoderamento feminino no universo científico e de inovação


“Ciência, inovação e empoderamento feminino”. Esse foi o tema do último painel da I Mostra Metropolitana do IFRS, realizado na tarde do dia 10 de junho. A atividade, mediada pela professora do Campus Canoas, Patrícia Hübler – coordenadora-geral do evento- contou com a participação da docente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Dra. Fabrícia Damando Santos; da professora do Campus Osório do IFRS, Dra. Flávia Santos Twardowski Pinto; da técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Dra. Cristiana Vieceli; e da jornalista científica, Jaqueline Sordi. O painel foi aberto com performance artística “Alma Espanhola”, do Conjunto de Violões do projeto Prelúdio do Campus Porto Alegre.

Cristina iniciou sua fala ressaltando que o conhecimento científico foi, por muito tempo, quase exclusivo dos homens e que a Ciência Moderna foi criada a partir de uma lógica masculina. Também enfatizou que as mulheres que se destacaram nessas áreas foram quase invisibilizadas na história. Como exemplo, citou a química Marie Cure, que ganhou dois prêmios nobeis, descobriu a radioatividade e dois elementos da tabela periódica e é pouco lembrada.

No cenário da educação, ela trouxe a informação de que as mulheres ainda são excluídas de diversas áreas consideradas masculinas, especialmente das ciências exatas. Segundo a painelista, elas são associadas às profissões relacionadas ao cuidado, que são menos valorizadas em termos de remuneração e formalização quando comparadas com as dos homens.
“Por que as mulheres são sub-representadas nessas áreas? No caso das Ciências Econômicas e eu acredito que em outras áreas do conhecimento científico, a resposta desta pergunta vai muito na forma como este conhecimento é construído, bem como a maneira como estes espaços de participação são ocupados. Assim como outras áreas do conhecimento científico, a Economia conta basicamente a história de homens e as questões que permeiam a vida dos homens, excluindo, muitas vezes, a vida das mulheres”, afirma.

De acordo com Cristina, quando mulheres ocupam cargos de liderança, especialmente em setores nos quais são minorias, têm sua capacidade como cientistas questionada, o que torna a ciência um campo opressor, sobretudo para as jovens, mães, de raças e classes marginalizadas. Ela citou uma pesquisa publicada no jornal New York Times, no início deste ano, que indicou que as mulheres economistas recebem 12% a mais de questionamentos que os homens em seminários e são mais propensas a receber questões hostis.

Para a convidada, isso demonstra o quanto é necessário à sociedade que os espaços científicos sejam ocupados por mulheres e pelas jovens meninas para desenvolverem suas capacidades em diferentes áreas, principalmente naquelas que elas desejarem. Esse quadro é ainda mais importante diante do cenário pandêmico e da atual crise econômica, social e política devido à necessidade de novas respostas para os problemas como a questão da crise dos cuidados, das alterações climáticas e a indústria 4.0. No caso do primeiro exemplo, Cristina destacou que o Brasil vive um envelhecimento populacional, o que demanda criatividade e políticas públicas voltadas aos cuidados com as pessoas.

Ainda quanto à pandemia, a cientista disse que o impacto foi maior entre as mulheres. “A exemplo disso, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho passou de 53,1% no quarto trimestre de 2019 para 47,8% no quarto trimestre de 2020. E esse quadro intensifica as desigualdades salariais entre homens e mulheres, além das mulheres terem aumentado de maneira mais intensa sua participação em atividades marcadas pela precarização do trabalho.”

A segunda fala da tarde foi da professora da UERGS, Fabrícia Damando, que, a partir da tríade, “ciências, inovação e empoderamento feminino”, apresentou um relato sobre o projeto “#include ” realizado com meninas na área das STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática) na cidade de Guaíba.

A painelista mostrou dados do IBGE (2016) que indicam que o número de mulheres com curso de graduação completo é superior ao número de homens. Entretanto, quando a análise é nas ciências exatas ou por cor e raça, a disparidade entre os sexos é grande, assim como entre mulheres brancas, pretas ou pardas. Fabrícia argumentou que isso é reflexo das questões sociais a exemplo da falta de representatividade feminina em algumas frentes e do incentivo por alguns tipos de brincadeiras segmentadas na infância.

Segundo a docente, essas informações refletem que é necessário trabalhar a educação inclusiva de igualdade de gênero dentro das instituições de ensino e na sociedade como um todo. Também é fundamental incluir as mulheres em áreas relacionadas à inovação e à tecnologia e incentivá-las, desde a educação infantil, à apropriação de conhecimentos que envolvam, por exemplo, programação e raciocínio lógico. Ainda, as escolas devem ter em seus quadros professoras negras; elaborar materiais didáticos que apresentem mulheres cientistas; e as empresas (de todos os tipos) precisam identificar e valorizar os talentos femininos, incentivar que mulheres estejam em cargos de lideranças e apoiar a maternidade.

Quanto ao projeto “#include

A proposta já foi executada em seis escolas do município, incluindo bolsistas tanto da UERGS quanto da instituição que acolheu o projeto. Ao total, participaram da ação em torno de 400 alunas. Como resultado, Fabrícia comentou: “Nós temos uma maior participação em atividades escolares de meninas que participam do projeto; maior envolvimento da família e incentivo familiar no projeto; e muitas meninas não conheciam mulheres na área das exatas, não conheciam cientistas mulheres, passaram a conhecer e a perceber a capacidade que elas também têm em atuar na área das exatas.”

Para as bolsistas de graduação a painelistas mencionou que os resultados foram uma maior possibilidade de estágios e na vida acadêmica; melhor rendimento nas disciplinas; maior senso de pertencimento e reconhecimento da sua importância no curso; convites para falar sobre a experiência do projeto; e artigos em seminários.

Como aprendizado individual e institucional, Fabrícia destacou a importância social que a Universidade tem em apresentar a ciência, a tecnologia e o empoderamento feminino para outras áreas do ensino. Com o “#include ”, percebeu-se que as meninas se sentiram mais seguras, viram uma possibilidade e entenderam que elas têm capacidade de atuar em qualquer espaço, inclusive na STEM.

A professora Flávia Twardowski trouxe para o painel a perspectiva do que é ser mulher dentro do IFRS e trabalhar junto aos estudantes com pesquisa, inovação e com o empoderamento feminino. Ela apresentou alguns dados do IBGE (2019) que mostram que o índice de mulheres que concluem o ensino superior no Brasil é maior do que o de homens, porém o mesmo não acontece ao ingressar no mercado de trabalho. Diante disso e a fim de aproximar as meninas das áreas das exatas, o Campus Osório desenvolveu o projeto “Meninas na Ciência” com estudantes do ensino fundamental da região do litoral norte gaúcho.

Segundo a cientista, a proposta estava muito bem até que surge um grande desafio: antes da Covid (a.C.) e depois da Covid (d.C.). Para Flávia, no período anterior à pandemia, havia o problema da presença feminina nos espaços e também  como estariam acessando e o Campus Osório verificou que 17% das ingressantes dos cursos superiores (Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Licenciatura em Matemática) eram meninas. Nos cursos integrados (Administração e Informática), o índice era de 35%. E foi por meio de um projeto que envolvia ciências, matemática, artes e engenharia que chegaram às escolas da região, junto com as estudantes da unidade, para buscar difundir mais a área.

A fim de ilustrar a problemática, Flávia citou que, quando fez a primeira prova para professora substituta em um concurso público da UFRGS, no curso de Engenharia da Produção, era doutoranda e estava grávida de seis meses e um membro da banca, que só tinha homens, a questionou sobre o que ela estava fazendo ali e disse para ir embora parir. Ela respondeu que fazia doutorado e que queria a docência, não desistiu. E refletindo sobre isso, questionou que se observa a presença das mulheres nos cursos superiores, mas por que não avançam, por que param?

Com essa pergunta, a painelista trouxe a história da aluna Maria Eduarda, uma de suas orientadas, do interior do município de Maquiné, que propôs um projeto de pesquisa para aproveitar as sementes do açaí de juçai com o objetivo de resolver um problema da sua comunidade e retornar com a solução para o próprio grupo. Ao desenvolver o estudo, a jovem viu que com o uso das sementes conseguia limpar a água dos agricultores, que não tinham água tratada, eliminando o magnésio quanto o ferro, deixando-a própria para o consumo. Após dois anos do projeto ter finalizado, ele foi extensionado também para as famílias da região.

Conforme a docente, são os estudantes que a procuram com propostas. Mesmo que num primeiro momento pareçam impossíveis, como é o caso da aluna Isabela, que queria desenvolver um protótipo de detecção da droga “boa noite, Cinderela” em bebidas alcoólicas, crime comum no litoral norte, especialmente no verão, Flávia nunca nega.

“Eu sempre procuro instigá-los para que consigam, inclusive, verificar que não é possível resolver, ao menos não daquela forma. E a Isabela me mostrou que eu estava completamente enganada.” A jovem conseguiu executar o projeto e o apresentou em eventos internacionais, mostrando para Osório e para o mundo que era possível uma menina desenvolver uma resposta para um problema global.

Outro destaque das orientadas de Flávia foi a estudante Juliana, que, segundo a professora é sensacional, pois conseguiu sensibilizar muitas meninas de todo o Brasil e mostrar que é possível desenvolver ciência por meninas na educação básica.

“Eu poderia ter colocado “antes Juliana, pós Juliana”. A Juliana trouxe algo que eu acho muito importante, que é acabar com o esteriótipo do cientista masculino. Nós também podemos ter a Juliana, estudante de Osório, do interior do Rio Grande do Sul, trazendo respostas à sociedade. Cabe a nós instigarmos que essas respostas venham, que estes estudantes se desenvolvam e não cortar essa curiosidade que eles tanto têm”, enfatiza.

Flávia encerrou sua participação falando sobre sua mais recente orientada, a estudante Victórya, que frequentou as atividades STEM dentro do Campus Osório enquanto era aluna do ensino fundamental em outra instituição. A jovem desenvolveu um projeto com economia circular, ganhando notoriedade internacional.

“Quando a Victórya disse para a gente que ela faria o processo seletivo para entrar no IF, eu perguntei para ela: Victórya qual curso que tu vais fazer? E ela disse: Vou fazer Administração, professora, porque Informática é pra meninos. Então mesmo a gente tendo um projeto de STEM, cursando o projeto de STEM, estando dentro da instituição, ela não se achava capaz.”

No ano passado, a estudante procurou a docente para desenvolver a proposta, sendo que um dos resultados era a execução de um protótipo e ela precisava saber um pouco de programação. Flávia buscou incentivá-la. “Uma das coisas que eu tento passar para os meus orientados é que eles precisam acreditar neles, mas antes disso nós precisamos acreditar porque só assim eles conseguem seguir”.

A última fala da tarde foi da jornalista e bióloga Jaqueline Sordi, com a temática “Jornalismo, fake news e o pensamento polarizado”, dando ênfase à problemática de empreender na ciência. A cientista mencionou que fez as duas graduações concomitantemente há mais de 10 anos e, naquele tempo, jornalismo e ciência não se conversavam. “Ao longo das faculdades, fui me dando conta que é necessário comunicar ciência e como poucas pessoas se dedicam a isso.”

Jaqueline apresentou o projeto “Lupa na Ciência”, que desenvolveu ao longo de 2020, em parceria com a Agência Lupa, primeira agência de checagem de fake news no país. A proposta surgiu a partir da dificuldade de entendimento das primeiras informações que circulavam sobre o coronavírus.

De acordo com a jornalista, esta foi a primeira vez que a humanidade viveu uma questão científica em tempo real e com muita ansiedade. Até então, as informações da área da ciência eram comunicadas após muito tempo de pesquisa, quando se tinha um consenso. Então, a população em geral e os jornalistas desconhecem como se deu todo o processo.

Sendo assim, a imprensa tinha dificuldade de comunicar a situação da Covid de forma correta porque não sabia dimensionar o que estava acontecendo, as diferenças entre as metologias e outros fatores. O projeto “Lupa na Ciência” buscou explicar de uma forma didática o que se estava pesquisando sobre o coronavírus e fazer uma curadoria dos estudos científicos.

Além disso, a painelista contribui para o “Fakebook.com”, iniciativa ligada ao Observatório do Clima, que também tem o propósito de combater a desinformação, de contextualizar, de fazer curadoria de estudos para poder mostrar o que realmente está acontecendo na área ambiental no Brasil.

Segundo Jaqueline, as notícias falsas têm em comum as informações absolutas, de rápida e fácil compreensão com mensagens simples e claras e visão maniqueísta de mundo como, por exemplo, “isso funciona, isso não funciona”. “No momento como este que estamos vivendo essa ânsia por resposta, isso acaba sendo muito tentador”, ressalta.

Ela concluiu sua fala destacando que a relação jornalismo e ciência, a informação comprometida com a complexidade dos fatos, é um nicho em crescimento, sobretudo nos últimos meses, no país. “São espaços que se abrem e nós como mulheres devemos aproveitar.”

 

Créditos: Comunicação/Campus Alvorada

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