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“Aprender em comunidade” é tema de palestra de José Pacheco na I Mostra Metropolitana


Na tarde da última quarta-feira, 9/06, a partir das 15h, aconteceu a palestra Aprender em Comunidade (confira aqui), com o professor José Pacheco, educador e antropólogo, idealizador da Escola da Ponte e do Projeto Âncora, dentro da programação da I Mostra Metropolitana do IFRS. A atividade foi mediada pelos servidores(as) Greicimara Ferrari, da PROEN/IFRS, Mário San Segundo, do Campus Viamão, e Vinícius Lima Lousada, do Campus Alvorada, e contou com as intérpretes em Libras Karina Lima e Luciana Oliveira, do Campus Alvorada. A abertura contou com a apresentação do Coro Juvenil do Projeto Prelúdio do Campus Porto Alegre e a divulgação de empreendimento solidário da cidade de Viamão.

O mediador Vinícius Lousada deu as boas vindas ao educador e comentou sobre o modelo necropolítico vigente no país, questionando o que os trabalhadores de educação poderiam fazer e de que forma os educadores poderiam esperançar.

José Pacheco iniciou sua fala citando que “Homens fortes produzem tempos fáceis. Tempos fáceis produzem homens fracos. Homens fracos produzem tempos difíceis. Tempos difíceis produzem homens fortes.” Afirmou que é no Brasil que se produz a melhor educação do mundo e lamentou que os professores brasileiros tenham baixa autoestima, indo para EUA e Finlândia procurar formação. Pacheco afirmou ainda que nunca encontrou país com tão bons teóricos e práticas como no Brasil, questionando: – Então qual é o problema com a educação do Brasil, que levou ao ponto que se chegou?

O educador seguiu abordando que uma nova construção social de aprendizagem é necessária, deixando o velho conceito liberal que afirma que o centro é o indivíduo: – Há mais de 50 anos ouço falar de educação do futuro, mas o futuro não chega, reflete.

Sobre Paulo Freire, Pacheco afirmou que assiste, sobretudo no Brasil, a concretização da proposta há muito tempo, mas que o que teve até o momento foram freireanos não praticantes: – O conceito de aprendizagem em Freire é o paradigma da comunicação, que ocorre na intersubjetividade. E acrescentou: – Em mais de cem escolas brasileiras, ocorre a transição entre o paradigma da instrução para o paradigma da aprendizagem, mas não basta, o centro é a relação. O projeto humano é um projeto coletivo. Citando autores que abordam a aprendizagem na relação, como Milton Santos, Florestan Fernandes, Nise da Silveira, Agostinho da Silva, Pacheco problematizou o que entende ser um problema do brasileiro, “não ter orgulho do seu passado pedagógico e antropológico”.

O educador contou que certa tarde recebeu mais de 200 emails de professores angustiados que o prédio da escola tinha fechado e não conseguiam se comunicar com seus alunos. Pediu, então, que acompanhassem no zoom (aplicativo de reuniões virtuais) que já fazia com uma turma de 31 alunos e 7 educadores e comentou que os jovens não perderam nenhuma dia de aprendizagem, porque trabalham num novo conceito de “círculo da aprendizagem proximal”, com pessoas que querem aprender algo e que se reúnem presencialmente, em pequena aglomeração, em lugares arejados, e partilham valores e determinada visão de mundo e de conhecimento produzido a partir de projetos de vida, numa proposta universal, de partilha e solidariedade. Avaliou que o que distinguiria estes estudantes de outros é “saberem analisar uma fake news, desenvolverem senso crítico, escolher a informação pertinente, avaliar, sintetizar pensamentos complexos, porque se foram educados são autônomos, mas uma autonomia proximal, pois ninguém consegue autonomia sozinho.” Questionado quanto à aprendizagem à distância, afirmou que as duas coisas estão juntas, remoto e presencial: – É preciso criar comunidade, que acontece a partir de círculo de vizinhança e que esta comunidade, junta, constitui uma rede. Com a rede não acontece manipulação de massa, acontece transformação social. E adiciona que fala da prática mas com teoria.

Aprender em comunidade

A mediadora Greicimara Ferrari colocou que teve uma experiência numa escola de periferia de Erechim, com base no conhecimento da experiência da Escola da Ponte e Paulo Freire, de conhecimento da comunidade em que se atua, e na situação eles realizaram visitas nas casas dos estudantes, mas que depois não foi possível seguir: – Percebo que existe certa resistência para trabalhar com a comunidade e de forma coletiva, afirmou, questionando ao educador como fazer para voltar a unir o coletivo de educadores com suas comunidades.

José Pacheco respondeu trazendo a experiência do projeto Âncora, em que professores deixaram suas casas e foram viver nas favelas, partilhando a realidade dos moradores. E propôs a reflexão: – Visitas à comunidade, mas alguém visita sua casa? Eu vivo na minha casa, não visito minha casa. Por que o banheiro do aluno não é o mesmo do professor? E afirma que é necessário repensar os conceitos dos quais se parte no diálogo: – O que é uma escola? A escola é o locus de aprendizagem pertencente a uma comunidade, não é um prédio. Qual representação que temos quando falo `escola`? Prédio, salas? Mas falo de pessoas que partilham valores e que convivem em um território. O educador trouxe, ainda, a necessidade de modificar o paradigma do trabalho do professor do paradigma de instrução, em que prepara projetos para os estudantes, para o de aprendizagem em que prepara projetos com a comunidade, acrescentando: – Dar aula é inútil. Há 50 anos que digo e sei que numa aula nada se aprende. Partimos de perguntas para construir uma pesquisa que nos leve a uma formação. Quando se avalia, com testes? Avaliação é partilha.

O mediador Mario San Segundo introduziu sua pergunta comentando que a última vez que assistiu uma atividade do educador foi no Campus Restinga, em uma atividade na rua, pois o prédio ainda não estava pronto. Partiu da fala que “dar aula é inútil”, lembrando que uma das condições centrais é o protagonismo do estudante, questionando como entender o papel do estudante na escola de hoje.

Pacheco comentou que em três meses haveria eleições autárquicas em Portugal, e que na cidade onde está a Escola da Ponte, três dos quatro candidatos são ex-alunos. Colocou que todos que foram prefeitos depois dele foram pais ou ex-alunos: – Mas não foi fácil. Um aluno da Ponte faz cerca de 40 assembleias por ano. Se um adulto quiser falar tem que pedir a palavra. Se um jovem não cumprir as regras de convivência não são os professores que fazem uma punição. Se o jovem não cumpre, eles nomeiam dois colegas para ajudar o colega a cumprir o que precisa. Acrescentou que isso é possível na educação na cidadania, no exercício da liberdade responsável, em que professor e aluno, cada qual em seu estatuto, têm os mesmos direitos e mesmos deveres: – O Brasil tem tudo o que precisa, grandes escolas democráticas, infelizmente aconteceu o que aconteceu nas últimas eleições, mas espero que o Brasil tenha aprendido.

Sobre o ensino domiciliar, considerou um “disparate” o ensino domiciliar aprovada pela Assembleia do RS, no dia anterior, pois a criança estará aprendendo sozinha, à margem da escola pública, onde estão os profissionais da educação e a partilha. Contou que ao ser perguntado por um professor sobre a situação atual, questionou a ele: – Como é possível chegar neste ponto? Qual a tua cota parte da responsabilidade se estás numa sala de aula controlando até o corpo do outro? Como tu desenvolves a autonomia no outro? Se não desenvolve autonomia no outro, ele nunca vai pensar por si mesmo. E reflete sobre a distância entre o discurso e prática de alguns educadores: – Diz que o centro é o aluno, mas a aula dele está centrada no professor. Quando a formação do professor diz uma coisa e ele faz outra, é esquizofrenia, falta de ética? Fico com a primeira opção mesmo. Vamos seguir centrando no aluno, no professor? Ou vamos produzir comunidade?

Questionado sobre as escola cívico-militares, o educador ponderou que aos militares compete garantir segurança e não “meter o bedelho naquilo que não lhes compete” como a educação, respeitando a estrutura militar naquilo que lhes cabe. – Os jovens não são violentos, são violentados. É preciso ter essa compreensão. Confio na capacidade dos educadores brasileiros, sobretudo na capacidade de tornar insignificante o conceito das escolas cívico-militares.

– Eu sou um europeu. Quando vinha para cá vinha com uma arrogância colonialista. Fui para comunidades indígenas e descobri que andava a 30 anos a fazer besteira. Não é a Europa que deve ensinar ao sul o que deve fazer. É o sul que tem que ensinar o norte. E profetiza, a partir de Agostinho da Silva, estudioso português que abordou a nova educação no Sul global na década de 60: – São os movimentos extremamente sacrificados, dentro da perspectiva de autonomia de comunidade. A favela vai descer, a comunidade vai se misturar e eu estarei ali para ver.

Finalizando sua participação, relatou um episódio que fala de marginalização e que talvez responda a perguntas que não foram feitas: – Um certo dia recebemos na nossa Escola sete jovens algemados, dois policiais e uma senhora, que perguntou se ali era Escola da Ponte, e se podíamos falar com os jovens: “É que nenhuma escola quer os jovens que são muito perigosos. Se algum quiser ficar aqui ele salvar-se-á.” Então, eu disse que falava com eles com a  condição de tirarem as algemas. Encostaram-se no ônibus e perguntei se queriam entrar. Entraram. Se queriam sentar. Sentaram. O que aconteceu? Quando eu exigi tirar as algemas, devolvi a auto-estima, criei empatia e dignidade com os jovens. O mais pequeno tinha 13 anos e perguntou “a gente pode fazer o que quer? Posso fazer uns pássaros que faço na Febem?” E ele disse que podia fazer viveiro, “com a galera”. Perguntei as quantidades de material e eles escreveram as quantidades, pois precisavam saber e não sabiam. Ao fim de meia hora construímos um projeto que incluía um roteiro de estudo de 74 componentes. Durante 9 dias foram e voltaram da Febem, no 3º dia os policiais vieram só como turistas. Ao final do 9º dia eles fizeram o viveiro e convidaram os colegas para a inauguração, e explicaram tudo direitinho. Os alunos que não entendiam levantavam o braço. Ao fim de uma hora, o mais velho perguntou: parece que não há mais perguntas. Levantou e tinha uma cartolina, que dizia que “os sete da Febem fizeram este viveiro e oferecem a ´nossa´ escola da Ponte.” Isso foi há 42 anos. Sete seres humanos extraordinários. O mais velho é meu amigo pessoal, com duas empresas de construção civil que emprega pessoas com deficiência.

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