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“O conhecimento tem de servir para a transformação social”


Palestrante da abertura do 8º Salão do IFRS, o professor André Luís Pereira, do IFSul, respondeu três perguntas relacionados ao tema abordado

A palestra de abertura da oitava edição do Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, com o tema “Por uma ciência engajada: a produção científica como expressão da transformação social”, ficou a cargo do professor André Luís Pereira, do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul).

Sociólogo, com mestrado e doutorado na área, André é professor de sociologia do Campus Pelotas do IFSul. Seus estudos se dão, principalmente, nos seguintes temas: relações étnico raciais; pós-colonialismo e produção do conhecimento em ciências sociais; teoria sociológica e a obra do intelectual Abdias do Nascimento, participação política, poder local e movimentos sociais (movimentos negros) na contemporaneidade.

Confira três perguntas sobre o tema da palestra respondidas pelo professor André:

 

Que dica daria para os nossos estudantes e servidores para garantir que os resultados dos trabalhos que realizam relacionados à ciência impactem a sociedade?

A primeira dica é que o trabalho tenha adesão com questões que estão no âmbito do cotidiano das pessoas. Nós temos percebido a construção de projetos muito alheios à realidade das pessoas. Os estudantes, principalmente os do ensino médio, vêm com um conjunto de demandas para dentro da Rede Federal que passam despercebidos a nós, pesquisadores. E nos damos conta, muitas vezes, quando esses estudantes já estão fora ou no processo de conclusão de curso. Então (a dica é) ter uma adesão com problemas da realidade: ambientais, de saúde, ligados à dimensão do funcionamento da tecnologia. Eu trabalho com alguns cursos de tecnologia e tenho levado os estudantes a fomentar: como a gente utiliza a tecnologia hoje? Quais são as relações que estabelecemos com a tecnologia? Como podemos melhorá-la sem tornar-nos reféns? Nós somos reféns da tecnologia e da virtualização da vida. Então, que passo adiante podemos dar? Acredito que  esse é um exercício: problematizar a nossa relação com a ciência além disso. A ciência nos dá uma série de possibilidades, não está tudo fechado, pronto.

A segunda dica é aos meus colegas pesquisadores. Precisamos sair dessa redoma que é o academicismo: dialogar mais com a sociedade, trazer para dentro das nossas instituições os problemas de ordem social. Hoje temos um enorme contingente populacional passando fome, morando nas ruas e nós temos soluções para isso, soluções a partir da ciência. Foi a ciência que nos salvou da possibilidade de uma catástrofe de nível mundial que não tínhamos vivido. É a ciência que pode dar alternativas para a crise ambiental que nós vivemos, pode reformular o fazer em termos de produção agrícola que permita que todos se alimentem, que tenhamos habitações sociais. Nós temos cursos nas áreas de edificações, de arquitetura, como o IFRS está abrindo agora. E eu espero que tenha uma inclinação de uma arquitetura social que atenda às demandas daqueles que precisam, atenda a demandas da sociedade. Nós, pesquisadores, também precisamos nos debruçar mais sobre os problemas da realidade, não é que o que o colega desenvolve no laboratório ou na oficina mecânica não seja importante, mas ele tem de procurar uma conexão maior com a realidade mais cotidiana das pessoas.

 

Como tornar o fazer científico acessível?

A maioria de nós, docentes que trabalham com pesquisa, vem de uma formação acadêmica muito inclinada ao eurocentrismo, nós não enxergamos outras formas de fazer ciência. Vou te dar um exemplo: a crise ambiental que vivemos hoje e que a ciência, nos últimos 20, 30 anos, vem apontando com alguma gravidade, os povos originários e as comunidades ribeirinhas apontam há 100 anos. Então, a primeira questão de tornar o saber e fazer científico mais acessível é nós virarmos a chave de como produzimos conhecimento. Trabalhamos numa instituição que tem políticas de ações afirmativas, recebemos grupos ditos minoritários que vêm com conhecimentos importantes sobre suas tecnologias. As comunidades quilombolas hoje operam produções agrícolas extremamente sustentáveis. Esse fazer científico mais acessível diz respeito, por exemplo, a perceber no cotidiano dos estudantes que saberes eles já têm incorporados. Como a gente pode dialogar com a teoria? Porque uma das questões que tem me parecido necessário de refletir é que há um distanciamento acadêmico entre teoria e prática, como que se quem faz a prática não pode fazer a teoria. E me parece que o nosso exercício enquanto Rede Federal é conectar essas duas possibilidades de produção científica. Temos por um lado um corpo de pesquisadores extremamente qualificado e por outro lado um saber originário, tradicional que vem das comunidades e espaços onde estamos inseridos. Fico muito feliz de perceber que o IFRS cada vez pulveriza mais a sua inserção no Estado, porque nessas comunidades a gente vai encontrar as possibilidades de fortalecer a produção do conhecimento e aí sim tornar o conhecimento científico algo acessível a todos. E me interessa muito pensar na Rede Federal em consonância com aquilo que acontece do outro lado da rua e não só do muro pra dentro. A rede federal de educação profissional e tecnológica tem uma conexão maior com as suas comunidades, o entorno e com o que está acontecendo de fato na vida das pessoas. Isso nos permite muitas possibilidades, como valorizar o conhecimento dos alunos, entender outros saberes, estimular a pesquisa de base (a observação simples do conhecimento), utilizar a produção feita no país, precisamos valorizar isso e dizer à sociedade o que nós fazemos.

 

Para que serve o conhecimento que produzimos?

O conhecimento que produzimos tem de servir para a transformação social. Ele tem de servir para a mobilidade, mas também para a emancipação. Um estudante que entra aqui no ensino médio e tem a possibilidade de construir a sua trajetória até a pós-graduação tem de sair ciente de que ele é um sujeito de direitos e é um sujeito ativo para que haja um melhor funcionamento da sociedade. O conhecimento que produzimos aqui não fica por si mesmo. Muito pelo contrário, nós temos outras alternativas, tanto que a amplitude de cursos e modalidades que oferecemos nos leva a um outro cenário, muito parecido com o que acontece hoje nos ditos países desenvolvidos, que é a verticalização da ciência. Existe a possibilidade de um estudante entrar aqui pela política de ações afirmativas e chegar até a pós-graduação e, a partir disso, produzir na sua vida mobilidade social, se sentir um sujeito emancipado, reconhecer um outro mundo do trabalho. Todas essas possibilidades estão no horizonte, me parece, de algo que a sociedade brasileira não entendeu ainda que é a importância da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, que é o papel social que cumprimos, a função social da educação, que produz a crítica, traz a reflexão, e é por isso que não somos tecnicistas, somos tecnológicos.

 

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