Geral
Não conseguimos respirar: a violência racial que não dá fôlego no Brasil.
O mês de novembro no Campus Ibirubá, é tradicionalmente marcado por ações alusivas ao tema da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro. Neste ano, devido ao afastamento social e suspensão do calendário letivo, temos feito atividades remotas e produzido materiais didáticos críticos sobre o tema, como a Revista Resistência Negra, produzida pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), abordando várias mídias como ferramentas para entender a cultura negra e o racismo, a qual disponibilizamos à nossa comunidade acadêmica. O presente texto, é alusivo ao dia 20 de novembro e convida o leitor a fazer um reflexão sobre o tema.
Por que precisamos falar de consciência negra? Por que precisamos falar de representatividade? Em maio deste ano, ganhou repercussão mundial a morte de George Floyd, um homem negro assassinado pela polícia norte americana. Asfixiado até a morte, ele implorava piedade ao policial, dizendo: não consigo respirar! Protestos pacíficos e violentos tomaram o país. Artistas e esportistas aderiram a protestos e boicotes. E o grito de ordem logo ganhou o mundo: black lives matter (vidas negras importam)! Não foi algo excepcional nos Estados Unidos. Tanto a violência racista, quanto a resistência a ela. E a reflexão que eu convido a fazer é: Por que somos tão tolerantes com a violência racial no Brasil? Os números da violência racial contra negros em nosso país são mais expressivos que nos Estados Unidos. Mas por que essa violência não nos causa a mesma indignação? Eu tenho a resposta! Porque o Brasil tem a máquina racista mais aprimorada do mundo! Ela se chama “mito da democracia racial”. Ela ocupou nossa cultura e nos convence todos os dias de que não há racismo no Brasil porque não temos um apartheid social, existe miscigenação racial e as leis dizem que somos todos iguais. Escondido nesse mito, porém, a realidade no Brasil mostra que: os brancos recebem 75% a mais do que os negros, 67% população carcerária brasileira é negra, 80% das pessoas mortas pela polícia eram negras em 2019. Fiquemos por aqui.
A dinâmica do racismo no Brasil é tão avassaladora que a reflexão sobre os fatos não dá conta da realidade. Ontem, eu dormi pensando em escrever sobre os (maus) exemplos que a política nos trouxe, mas, quando acordei, descobri que o racismo insaciável tinha feito mais uma vítima fatal. João Alberto Silveira Freitas, um homem negro foi espancado e asfixiado até a morte pelos “seguranças” (para quem?) do Carrefour na Zona Norte de Porto Alegre. Assim, dessa forma, com esse requinte de deboche e crueldade, já que às vésperas do dia da consciência negra. Estragando a festa, fazendo os mais otimistas ou alienados lembrarem que não temos tempo para comemorar. Não conseguimos respirar, relaxar, tomar um cafezinho. Precisamos combater o tempo todo por que estamos em guerra aqui. Estamos sobrevivendo.
Como disse, ontem pensei em escrever sobre outro caso emblemático que expressa outro tipo de violência racista: a violência simbólica – que, por sua vez, forma o nosso imaginário e, por consequência, deságua em violência física novamente. O caso é que a Câmara municipal de Porto Alegre elegeu uma composição histórica. Sua maior representação negra e feminina da história. Nem deu tempo de comemorar a já houve o primeiro ataque racista. O candidato a prefeito na cidade, derrotado no mesmo pleito, Valter Nagelstein, fez a seguinte afirmação: “fica cada vez mais evidente que a ocupação que a esquerda promoveu, nos últimos 40 anos, da universidade, das escolas, do jornalismo e da cultura, produzem os seus resultados. Basta a gente ver a composição da Câmara, cinco vereadores do PSOL. Muitos deles, jovens, negros. Pessoas, vereadores esses sem nenhuma tradição política, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal”. O que seria a falta de “tradição política” se não a ideia de que a política é um espaço historicamente (por direito consuetudinário) destinado aos brancos? O que seria o “não trabalho” se não a desqualificação das pautas populares e étnicas? O que seria a “pouquíssima qualificação formal” se não o mais puro racismo de considerar que negros, mesmo oriundos das universidades (como ele reclama), não atingem a devida qualificação profissional? Poxa! Eu queria falar sobre isso! Olha que prato cheio para discutir racismo estrutural e mito da democracia racial?
Mas não! O cotidiano macabro da guerra genocida contra os negros no Brasil fez nova vítima na noite de 19 de novembro. E hoje eu não pude ignorar o assunto do qual me dói muito falar: até quando vidas negras continuarão não importando no Brasil? Talvez enquanto nos verem como alienígenas na política ou nas universidades. Espaços fundamentais onde se encontra o martelo para começarmos a quebrar essa superestrutura racista.
João Alberto Silveira Freitas, presente!
Autor do texto:
Maurício Lopes Lima
Mestre em História
TAE no IFRS Campus Ibirubá
Coordenador do NEABI Campus Ibirubá